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"Não é no silêncio que os homens se fazem, mas na palavra, no trabalho, na ação-reflexão."
Paulo Freire

quarta-feira, 6 de abril de 2011

BULLYNG - POR RUBEM ALVES

BULLYNG - POR RUBEM ALVES

Eu fui vítima dele. Por causa dele, odiei a escola. Nas minhas
caminhadas passadas,eu o via diariamente. 
Naquela adolescente gorda de rosto inexpressivo que caminhava
 olhando para o chão. E naquela outra, magricela, sem seios, 
desengonçada, que ia sozinha para a escola. 
Havia grupos de meninos e meninas que iam alegremente,
 tagarelando, se exibindo, pelo mesmo caminho. 
Mas eles não convidavam nem a gorda nem a magricela. 
"Bullying" é o nome dele. Dediquei-me a escrever sobre os
 sofrimentos a que crianças e adolescentes são submetidos
 em virtude dos absurdos das práticas escolares, mas nunca
 pensei sobre as dores que alunos infligem a colegas seus. 
Talvez eu preferisse ficar na ilusão de que todos os jovens são vítimas.
Não são. Crianças e adolescentes podem ser cruéis."Bullying." 
Fica o nome em inglês porque não se encontrou palavra em 
nossa língua que seja capaz de dizer o que "bullying"
diz. "Bully" é o valentão: um menino que, por sua força e sua 
alma deformada pelo sadismo, tem prazer em bater nos mais fracos
e intimidá-los. Vez por outra, crianças e adolescentes têm 
desentendimentos e brigam. São brigas que têm uma razão. 
São acidentes. Acontecembe pronto. 
Não é possível fazer uma sociologia dessas brigas.
Depois delas, os briguentos podem fazer as pazes e se 
tornar amigos de novo. Isso nada tem a ver com "bullying". 
No "bullying", um indivíduo - o valentão - ou um grupo escolhe 
a vítima que vai ser seu  "saco de pancadas". 
A razão? Nenhuma. Sadismo. Eles "não vão com a cara" da vítima. 
É preciso que a vítima seja fraca, que não saiba se defender.
Se ela fosse forte e soubesse se defender, a brincadeira não teria graça.



A vítima é uma peteca: todos batem nela e ela vai de um lado
para outro sem reagir. Pode-se fazer uma sociologia do "bullying"
porque ele envolve muitas pessoas e tem continuidade no tempo.
A cada novo dia, ao se preparar para a escola, a vítima sabe

o que a aguarda. Até) agora, tenho usado o artigo masculino, 
mas o "bullying" não é) monopólio dos meninos. As meninas também 
usam outros tipos de força que não a dos punhos. 
E o terrível é que a vítima sabe que não há jeito de fugir. Ela não conta aos 
pais, por vergonha e medo. Não conta aos professores porque sabe que 
isso só poderá tornar ainda pior a violência dos colegas. 
Ela está condenada ? solidão. E ao medo acrescenta-se o ódio.



A vítima sonha com vingança. Deseja que seus algozes morram.
Vez por outra, ela toma providências para ver seu sonho realizado.
As armas podem torná-la forte.
Na maioria dos casos, o "bullying" não se manifesta por meio
de agressão física, mas por meio de agressão
verbal e de atitudes. Isolamento, caçoada, apelidos.
Aprendemos com os animais.
Um ratinho preso numa gaiola absorve a informação rapidamente.
Uma alavanca lhe dá comida. 

Outra alavanca produz choques. 
Depois de dois choques, o ratinho não mais tocará a alavanca que 
produz choques. Mas tocará a alavanca da comida sempre que tiver fome.
As experiências de dor produzem afastamento. 
O ratinho continuará a não tocar a alavanca que produz choque 
ainda que os psicólogos que fazem o experimento tenham
desligado o choque e tenham ligado a alavanca comida.



Experiências de dor bloqueiam o desejo de explorar.
O fato é que o mundo do ratinho ficou ordenado.
Ele sabe o que fazer. Imaginem, agora, que uns psicólogos
sádicos resolvam  submeter o ratinho a uma experiência
de horror: ele levará choques em lugares e momentos

imprevistos ainda que não toque em nada. 
O ratinho está perdido. Ele não tem formas de 
organizar o seu mundo. Não há nada que ele possa fazer. 
Seus desejos, imagino, seriam dois. 
Primeiro: destruir a gaiola, se pudesse, e fugir. Isso não sendo 
possível, ele optaria pelo suicídio.



Edimar era um jovem tímido de 18 anos que vivia na cidade
de Taiúva, no Estado de São Paulo.Seus colegas fizeram-no
motivo de chacota porque ele era muito gordo. Puseram-lhe os

apelidos de "gordo", "mongolóide", "elefante cor-de-rosa" e "vinagrão", 
por tomar vinagre de maçã todos os dias, no seu esforço para emagrecer. 
No dia 27 de janeiro de 2003, ele entrou  na escola armado e atirou contra 
seis alunos, uma professora e o zelador, matando-se a seguir.

Luis Antônio era um garoto de 11 anos. 
Mudando-se de Natal para Recife por causa do seu sotaque, 
passou a ser objeto da violência de colegas. 
Batiam nele, empurravam-no, davam-lhe murros


e chutes. Na manhã do dia fatídico, antes do início das aulas, 
apanhou de alguns meninos que o ameaçaram com a "hora da saída". 
Por volta das 10h30, saiu correndo da escola e nunca 
mais foi visto. Um corpo com características semelhantes ao dele, 
em estado de putrefação, foi conduzido ao IML (Instituto Médico Legal) para perícia.

Achei que seria próprio falar sobre o "bullying" na seqüência do meu 
artigo sobre o tato que se iniciou com: "O tato é o sentido que marca, 
no corpo, a divisa entre os deuses Eros, do amor, e Tânatos, da morte. 
É por meio do tato que o amor se realiza. É no lugar do tato que a tortura acontece
". O "bullying é a forma escolar da tortura.

............................................................fonte: Portal Aprendiz, 03/06/2005.

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